Maria Ester Rodrigues
A autoestima das crianças e pessoas em geral é
um termo que se refere a um conjunto de sentimentos derivados de experiências
bem sucedidas na interação com o contexto social (especialmente família e
escola) e com as atividades que a criança executa. Dificilmente conseguiremos
ser bem sucedidos em todas as áreas ou atividades que executemos, ou mesmo numa
atividade específica, todo o tempo.
Obviamente que uma história de insucessos repetidos
em uma ou mais áreas afeta a autoestima e a autoconfiança, no sentido de tais
sentimentos passarem a fazer parte das contingências que controlam o
comportamento ou as ações do indivíduo. No caso do indivíduo não possuir
características particulares para a execução de alguma atividade específica,
como o das atividades esportivas, ela deve ser reforçada pelo seu bom desempenho
em atividades nas quais é mais bem sucedida, ou a atividade esportiva escolhida
deve ser redimensionada. Um exemplo disso seria enfatizar o caráter lúdico da
atividade esportiva em detrimento do competitivo.
O contrário também é verdadeiro, ou seja, temos
visto em nossa experiência profissional, alunos com dificuldades de aprendizagem
relativamente generalizadas em uma ou mais áreas acadêmicas (escrita, leitura,
matemática) terem êxito especificamente em atividades esportivas (coletivas ou
individuais), e por esta via, adquirem posições de liderança escolar.
.
Não existe
em Psicologia alguma fórmula que possa prever como uma situação específica possa
afetar o indivíduo num futuro próximo ou distante, mas existem fatores de risco
(ex.: divórcio, abuso de substâncias pelos pais, inabilidade na execução das
práticas parentais etc.), bem como fatores de proteção do indivíduo ao
desenvolvimento de problemas de comportamento (relação positiva da criança com
os pais, um deles ou um adulto significativo, família coesa e afetiva,
habilidades de solução de conflitos familiares pela própria família etc.), seja
do tipo internalizante (pensamentos e sentimentos), seja do tipo externalizante
(conduta visível) (Melo, Silvares e Conte, 2000). Desta forma, existem variáveis
que aumentam a probabilidade de desenvolvimento de problemas psicológicos, como
sentimentos de autoestima e autoconfiança abalados, porem, não de forma
inexorável. Ainda para Melo, Silvares e Conte (2000) muitas crianças que são
expostas a fatores de risco não obtém efeitos negativos em seu
desenvolvimento.
Pesquisadores da área (Patterson, Reid e Dishion;
1992; Gomide 2006/2010; Melo, Silvares e Conte, 2000) tem percebido que o
insucesso escolar (seja acadêmico, seja social) é um dos determinantes para
desenvolvimento de comportamento antissocial na infância. Já a família (dinâmica
familiar e tudo o que a envolve) é considerada outro determinante, além do
próprio temperamento da criança (predisposição genética, transtornos de
aprendizagem ou de linguagem, TDAH, problemas de saúde vários, inabilidade
social, inabilidade de resolução de problemas) e a interação entre as práticas
educativas familiares (pais que fornecem instruções inadequadas, com lacunas ou
pouco claras; ausência de reforço dos comportamentos adequados - consequência
que possa fortalecer o comportamento em questão, geralmente como elogio,
aprovação, feedback positivo verbal ou não verbal, liberação de privilégio
etc.-; punição impulsiva, frequente, inconsistente ou muito severa; uso de
críticas, ironia e retirada de afeto), características dos pais (baixa
autoestima, inabilidade parental, problemas emocionais, problemas de saúde,
problemas conjugais, inabilidade social), características escolares aliadas às
características da criança em si.
Além disso, a autoestima é um dos fatores
frequentemente relacionados na literatura (Patterson, Reid e Dishion; 1992;
Gomide 2006/2010; Melo, Silvares e Conte, 2000) como variável relacionada ao
desenvolvimento de comportamento antissocial na infância e vida adulta,
juntamente com insucesso escolar, rejeição de colegas (com bullying ou
não), pais e professores, práticas educativas negativas por parte dos pais –
disciplina relaxada ou muito rígida, uso de punição física, ausência de
monitoria etc.-, desvantagens socioculturais e participação em grupos
desviantes.
Muito embora a família seja o principal fator
determinante de efeitos negativos no desenvolvimento de crianças pequenas, ao
entrar na escola (o que ocorre cada vez mais cedo) a mesma entra em contato com
outros agentes de socialização. Caso os padrões de interação social na família
não sejam bons, a probabilidade de haverem problemas na interação com colegas e
professores aumenta.
Autores como
Gomide (2010/2006), Melo, Silvares e Conte (2000); Patterson, Reid e Dishion
(1992) mencionam haver uma escalada provável no desenvolvimento de comportamento
antissocial que começa na família e se perpetua pela escola, passando por
inserção em grupos desviantes na adolescência até chegar à vida adulta. Uma
história de interações sociais de baixa qualidade na família tende a se
perpetuar para a escola, afetando seu desempenho acadêmico. Após ser rejeitada
pelos colegas e professores e obter baixo desempenho acadêmico, além do
desenvolvimento de baixa autoestima; a criança adquire forte probabilidade de se
engajar na adolescência com grupos antissociais, composto de adolescentes com
história semelhante à sua. Tal inserção contribui fortemente para o aumento da
delinquência e abuso de substâncias (álcool e outras drogas) na adolescência,
além do envolvimento em conflito com a lei. Tais crianças e adolescentes, ao
chegarem à vida adulta, tendem fortemente a ter dificuldades para adquirir ou se
manter no trabalho, divorciam-se com mais facilidade, abusam de drogas e álcool,
apresentam maior taxa de institucionalização por terem cometido infrações ou por
problemas psicológicos como depressão, ansiedade, tentativas de suicídio
etc.
A escola pode atuar no desenvolvimento ou no não
prosseguimento dessa escalada, guardadas as devidas proporções, de forma
semelhante à família, bem como com o ensino de habilidades sociais aos alunos em
geral, sejam os que sofrem rejeição e/ou bullying,
seja os que são rejeitados. É importante ressaltar que a rejeição e o bullying
escolares são um fator de risco para o desenvolvimento de problemas psicológicos
das mais diversas naturezas, portanto, o desenvolvimento da orientação a pais
para buscarem ajuda ou do estabelecimento de programas de natureza preventiva na
escola são justificados. O treinamento de habilidades sociais na infância, seja
na escola, seja em ambiente psicoterapêutico, também é objetivo pedagógico
bastante plausível e que pode interferir no rompimento da escalada anteriormente
mencionada.
Autores como Del Prette e Del Prette (2005)
mencionam habilidades sociais consideradas relevantes de serem analisadas e
desenvolvidas na infância, entre elas: autocontrole e expressividade emocional,
habilidades de civilidade, assertividade, solução de problemas interpessoais,
fazer amizades e habilidades sociais acadêmicas. Apesar da relevância, poucos
programas de intervenção dessa natureza existem no Brasil
hoje.
Referências
DEL PRETTE, Zilda A. P; DEL PRETTE, Almir (2005).
Psicologia das Habilidades Sociais
na Infância: Teoria e prática. In
Zilda A. P. Del Prette, Almir Del Prette; Petrópolis, RJ: Editora Vozes.
GOMIDE, Paula Inez Cunha
(2006). Inventário de Estilos
Parentais – IEP: Modelo Teórico, Manual de Aplicação, apuração e
interpretação. Petrópolis RJ: Vozes.
GOMIDE, Paula Inez Cunha
Org.(2010). Comportamento Moral: Uma
proposta para o desenvolvimento das virtudes. Curitiba: Juruá.
MELO, SILVARES e CONTE . Orientação preventiva de
um grupo de mães de crianças com dificuldades de interação. In SILVARES, Edwiges
Ferreira de Mattos (Org.) (2000). Estudos de caso em Psicologia Clínica
Comportamental Infantil. Vol. I.
Campinas, SP: Papirus.
PATTERSON, G.R.; REID, J. B. e DISHION, T. J.
(1992). Anti-social
boys. EUA:
Castalia.
Apontamentos
originalmente efetuados para entrevista ao site Globo Educação publicada
em: http://redeglobo.globo.com/globoeducacao/noticia/2012/05/bullying-em-atividades-esportivas-gera-jovens-depressivos-e-agressivos.html
Publicado originalmente no Blog “Comporte-se”: Psicologia Científica
http://www.comportese.com/2012/04/agressividade-sujeitos-agressivos-ou.html em 22/05/2012.